A escrita Nüshu, « A escrita das mulheres »

VERSION FRANÇAISE

No sudeste da China, mais precisamente ao sul da província de Hunan, surgiu uma forma de escrita dedicada exclusivamente às mulheres. Essa escrita chamada Nüshu desempenhou um importante papel na literatura chinesa. Por quê? Como? O que resta dessa antiga escrita nos dias atuais? Essas são as questões que iremos tentar responder neste artigo.

Carte - Jiang Yong - Chine
Mapa de localização do distrito de Jiang Yong, Hunan.

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Origem:

A origem da escrita Nüshu ainda nos é desconhecida em detalhes. Ela teria sido criada no fim da dinastia Song (960-1279). Muitas lendas gravitam em torno dessa questão, mas pesquisadores contemporâneos afirmam que a sua criação jaz no contexto cultural e social. O distrito de Jiang Yong, lugar onde tal escrita se desenvolveu, corresponde a uma área montanhosa, com vilarejos isolados um dos outros. Na sociedade patriarcal chinesa, a mulher, quando se casava, seguia o marido, quase sempre rompendo todos os laços com suas antigas amigas. O Nüshu surgiu, então, como um modo de comunicação, que foi transmitido de geração em geração, entre mulheres normalmente pertencentes à mesma família, com o fim de manter o contato entre elas.

nüshu_cartes postales chien
Cartão postal com escrita nüshu e escrita chinesa abaixo.

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O sistema de escrita:

Esse sistema de escrita – que não deve ser confundido com sendo uma língua – possui mais de 600 letras. O Nüshu é um sistema silábico que funciona como um código, associando letras “emprestadas” do chinês a elementos fonéticos modificados, redigidos em um estilo alongado. As mulheres escreviam em papéis ou tecidos, com o objetivo de formar um livro, ou mesmo em leques, lenços ou fitas.

Nüshu_livret de mariage Sanzhaoshu
Livreto de casamento nüshu tradicional

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Seu papel:

Ele chegou a ser utilizado em correspondências, mas também com o propósito de se expressar livremente, indo até a realização de textos literários, em uma época onde mulheres estavam predestinadas a permanecer na ignorância. Um detalhe importante é que o grupo minoritário Yao, conhecido por conceder mais liberdades às mulheres, exercia uma certa influência sobre a região de Hunan, onde surgiu essa escrita. As mulheres desse grupo se reuniam com o intuito de bordar e cantar, mas igualmente para ensinar e escrever em Nüshu. A literatura Nüshu então se desenvolveu essencialmente em torno de uma tradição que foi, por muito tempo, conservada: uma jovem mulher casada recebia de suas amigas, que eram por sua vez consideradas como “irmãs juradas”, poemas e textos fazendo menção à felicidade do casamento e à tristeza por causa da distância que as separava.

Sem ter sido mantido em segredo, o Nüshu foi considerado como escrita de segunda ordem pelas autoridades, pois era utilizado somente por mulheres. Logo, era considerada como alguma coisa restrita à esfera privada.

Essa escrita possuía um papel social muito forte e central em diversos aspectos da vida cotidiana das mulheres daquela região: em reuniões, correspondências e também eventos públicos como casamentos e outras celebrações que se passavam nos templos. Essas mulheres também escreviam lendas e canções de sua cultura em Nüshu, como forma de preservá-los.

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Fã na escrita nüshu

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Hoje:

Mas muitos textos não foram conservados, pois a tradição determinava que as obras produzidas deveriam ser enterradas juntamente com a sua autora, quando ela morresse, para que ela pudesse as ler “do outro lado”. Assim que as mulheres começaram a ter acesso à educação, a escrita Nüshu começou a perder seu sentido e sua importância. O abandono dessa escrita acelerou-se depois do ano de 1949, já que o Comunismo a via como uma subversão à ordem. No fim da década de 1980, podia-se contar nos dedos quantas mulheres ainda sabiam escrever em Nüshu. A última delas morreu em 2004. Como muitos linguistas e etnólogos se interessaram pela escritura Nüshu, a partir da década de 80, muitos textos foram conservados. Depois dos anos 2000, campanhas com o intuito de preservar e registrar o Nüshu foram criadas no distrito de Jiang Yong, com a finalidade de se conservar o importante patrimônio cultural que representa essa escrita. Assim, uma cidade inteira e um museu foram abertos e diversas atividades culturais são realizadas por lá, contribuindo para reviver festas tradicionais e também para despertar a aprendizagem da antiga escrita para as novas gerações.

Nüshu_broderie
Bordado nüshu

Autor: Estelle Pautret

Tradutor: Gabriela Lages


Para ir mais longe:

  • JACQUET, Raphaël, « Le Nüshu : une forme de sous-culture féminine », Perspectives chinoises [consulté le 17/08/2015, en ligne]. 1992, vol. 3, n° 3, p. 37-39. Disponible sur : http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/perch_1021-9013_1992_num_3_1_2825
  • SALA, Ilaria Maria, « Le Nüshu, signes de femmes du Hunan méridional », Perspectives chinoises [consulté le 17/08/2015, en ligne]. 1995, vol. 30, n° 30, p. 53-60. Disponible sur : http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/perch_1021-9013_1995_num_30_1_1911
  • SAUSSURE-YOUNG, Martine, « Le Nüshu, l’écriture des femmes de Jiangyong (Hunan, Chine) », mémoire de maîtrise à l’INALCO, 2005, 120 pages.
  • SAUSSURE-YOUNG, Martine, « La transmission du nüshu, les voies de l’écriture, l’écriture de la voix », mémoire de master II en didactique des langues et des cultures, Hautes Etudes Asie Pacifique, INALCO, Paris, 2006, 120 pages.
    Auteur du site en français sur le nushu. Disponible sur : http://www.nushu.fr 
  • YE Yucong, Yuan YE, « L’écriture nüshu », Institut Confucius. Mai 2014, vol. 03, n° 24, p. 29.

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